quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Patrimônio.

Na casa da Juju, eu era rica. Lá eu tomava suco de tomate temperado e comia enormes azeitonas azapa para abrir o apetite. Na hora do almoço, tomava de um gole só o delicioso suco natural de mexerica – mas antes eu tinha que comer tudo, enquanto as lágrimas desciam pelo rosto, sob os olhares militares de Vicenza, empregada-egípcia-casada-com-seu-antônio-italiano-que-fugiu-pra-cá. Tinha também a bacalhoada com pedaços gordos do próprio bacalhau, sem precisar pescar entre uma batata e outra. Nham, nham, nham, que bom mastigar o bacalhau todo e bom. No Natal, Vovó nos dava de presente notas novinhas do dinheiro da época. Eu era rica contando as muitas notas que para mim eram muitos dinheiros. Na casa da outra avó eu era invisível – neta mais nova de 14. Só ouvia um ou outro primo ou tia ou tio ou mãe ou pai ou mesmo a própria avó a me mandar para um lado ou outro, pra buscar não sei o quê. Hoje, a neta estampada não passa despercebida. Na casa dessa vó tinha um armário com um cheiro de antigo e doce que dá saudade. Era lá que moravam balas, chocolates e outras riquezas insuspeitas. De novo eu era rica e não sabia. Depois chegar em casa e encontrar uma geladeira onde tudo de especial era do meu pai. Eu tinha que respeitar alguém que detinha um território tão grande. Você não passaria por isso, filho. Seu pai iria cozinhar e preparar as coisas mais gostosas como assim faz a sua avó. Talvez passasse a ser você o rei da geladeira. Alegria saber que tive tempo de descobrir meu pai e ver que o rei não mordia. Você vai crescer amigo do seu. Esse de quem a cada dia tento trazer um pedacinho.

18 comentários:

pensamentos simples disse...

Cris, essa é uma dúvida inglória... não sei quem é que traz um pedacinho do Gui... há horas em que o Cisco lhe traz o Gui todo, inteiro, mas fugaz; mas há momentos em que você traz o Gui para o Cisco.

Tudo o que eu sei é que suas palavras são válidas, mas dão a visão de um Gui fragmentado. Seu amor por ele e a materialização desse amor de vocês é que mantém o Gui completo...

Beijos

Renata Carvalho Rocha Gómez disse...

Minha bacalhoada tambem é divina !
Vou te convidar para experimenta-la mas, so vale se trouxer o Cisco com a meia furada que aparece o dedão dele !
Um beijo nos dois

Anônimo disse...

(suspiro)
Ai Cris,
Esses dias estava pensando...Eu tb era rica, morava com uma familia barulhenta, uma irmã "pau pra toda obra"(daquelas que vc troca olhar e diz tudo) e quando vim pra cá, EUA( me casei,estou feliz e tal)tive que deixar eles pra trás. A gente se fala no telefone todos os dias,mas...Não é igual. Ou seja. A gente tem que apreciar a riqueza de cada dia.E vc trás um monte de riqueza pra gente através das suas palavras e me sinto muito grata de poder ler!
Um beijo
Marisa
(TX)

Maos de Fafa disse...

Voce me trouxe um pouco do meu passado na casa da minha avo.Que delicia essa nostalgia!Amei!

christianasousa disse...

Nossa....que lindo!!!!
Parece que vc está descrevendo o que passamos.....na casa dos meus avós eu era rica....muito feliz!!!!
Agora que um deles se foi e a avozinha tem alzeimer....que tristeza.....
Como perdemos coisas na vida, mas as lembranças são eternas.....
Beijo p/ vc e francisco...
Te admiro mt
Chris Martins

Anônimo disse...

Oi...gostei de vir aqui, passear por suas histórias, tão bem escritas, tão cheias de sentimento. Suas postagens deveriam virar livro, pois suas palavras são de muita intensidade. Francisco vai amar ler tudo isso. Meu pai deixou uma mensagem escrita pra mim, para que eu lesse qdo tivesse 7 anos (ele tinha câncer e morreu qdo eu tinha 6). Esse texto é umas das coisas mais preciosas que tenho. Fico imaginando qdo Francisco aprender a ler, o quanto ele vai amar descobrir seu pai através das palavras de sua mãe.Palavras tão cheias de amor, com tanto carinho. A gente lê e consegue visualizar a história como se passasse como um filme na mente. Continue escrevendo sempre, salve tudo, guarde tudo, pq o que vc está fazendo é de grande valor e será muito importante para o seu filho.

Bjs
Com carinho de quem não te conhece mas te admira muito.

Manu

Dani Barcelos disse...

Cris, venho aqui todos os dias mas nem sempre comento, pois fico sem palavras pra definir seus textos! COmo é bom ver a sua riqueza, relembrar a infância, buscar momentos bons na memória, recordar... Como é bom ver que vc trazendo o Gui pra perto do Cisco sempre, mostrando a ele todas as qualidades do pai! O q vc faz é divino, espetacular!
Bjs carinhosos
Dani

Raquel disse...

Oi. Tu não me conhece, mas eu a conheço (um pouco). Hoje mesmo, li aquela sua reportagem/história na revista seleções. Foi bem por acaso. Estava folheando a revista e parei naquele título. Acabei lendo toda a história. Quando parei na frente do primeiro computador, já entrei logo aqui no blog, pra saber mais sobre essa mulher com quem eu simpatizei e este amor indescritível.
Muito legal criar este blog para teu filho, falando sobre o pai que ele deverá conhecer melhor do que muita gente que convive diariamente com o seu.
Acho que o que mais me marcou nessa hisória, pequeno fragmento da tua vida, foram as pequenas demonstrações da tua personalidade. Não sei bem explicar como, mas, com certeza, é diferente. Simplesmente pela forma como reagiste a tudo.
Parabéns pelo blog.
Abraços, Raquel.

Anônimo disse...

.... Cris, uma curiosidade: os textos que você escreve aqui para o Cisco, você tbm os salva em outro lugar ou apenas aqui?
Tenho quase certeza que vc os guarda em um lugar bem seguro, porque a internet não é, aqui você corre o risco de perdê-los, sei lá, o blog sair do ar, ou coisa e tal!
beijoks...
Sâmia Leite

Fabiana disse...

oi flor,

o "hardware" está prestes a "sofrer" um upgrade para 3.8, né?

mas de que importa?

a sutileza com a qual você encara a vida, deixa a sua alma cada dia mais nova, mais leve, mais bonita.

beijinhos,
Fabi

Lis Bastos disse...

Nada como a riqueza das coisas simples...eu tbém quando criança era tão rica, e na casa da minha vó materna eu era tão especial... Meu momento preferido do dia era quando tomávamos banho (eu e minha irmã) e minha vó,(uma senhora que durante toda a vida trabalhou como empregada doméstica, mais que era tão chic e tão estilosa) nos penteava e colocava lindas fitas de cetim nos nossos cabelos.Depois íamos tomar lanche na mesa posta com tanto carinho e bom gosto.
Minha vó hoje tem 85 anos e continua tão vaidosa consigo mesma e com sua casa como antes...hoje somos nó que a embonecamos, fazendo escova, maquiagem e escolhendo o melhor colar pra sua produção do dia!
Desculpe por tomar tanto espaço com meu comentário...mais é que hoje vc me fez lembrar de um dos melhores pedaços de mim: minha vó.
Mais uma vez, obrigada ...
Bjinho no seu core

Sayô disse...

ôôÔhh coisa linda de se ler...
de se guardar na memória,
de compartilhar conosco,
e de presentear um filho!
:)
Somos tão ricos de lembranças, ne verdade?
-suspiros-


Uma ótima tarde do
dia 14/08/2008.


Carinhos, Sayô.

cris disse...

acho que a maior "riqueza" da casa das minhas avós era justamente não ter riqueza, principalmente no caso de uma delas. adorava a casinha singela de interior, com algumas coisas bem antigas e simples. a da outra avó já era maior, e tb divertida pq tinha pomar e tudo, mas eu ficava mais na outra casa, então tenho mais saudades de quando ia pra lá.

Dri_ disse...

Gostoso saber que somos vizinhas de aniversário :)

Juliana Ficher disse...

Nossa,já tinha visto este seu blog,
mas com pressa,nem li direito para falar a verdade.Não tinha entendido o sentido dele.Mas hoje entrei aqui com calma,valculhei quase tudo,vários posts antigos.Acredito que não sou a primeira pessoa a dizer isso,mas ao menos estou sendo sincera,eu me emocionei com isso tudo,nossa,nem sei explicar,eu fui lendo,e cada vez fiquei com mais vontade de ler,e foi me dando um aperto,eu imaginei esta situação na minha mente,criei este mundo do qual voce vive,o que voce passou.Não sei se sou eu que sou uma manteiga derretida,ou se todos sentem isso,só sei que fiquei com muita vontade de te contar isso.Tomara que voce leia.
Desejo que todo o sofrimento que voce passou seja recompensado com uma felicidade muito longa e intensa sua e de seu filho.
Um abraço!

Karen disse...

O meu pai também deixou ótimas memórias. Agumas não tnao boas que pude vivenciar, mas penso somente nas boas. Ele tb era especial. Um artista. tenho cartas que ele me escreveu quando morei fora (há mais de 10 anos) guardadas como uma das coisas mais importantes da minha vida.

A vida tem momentos incríveis, outros nem tanto. O Cisco não conhecerá o pai pessoalmente e eu nunca saberei muitas coisas sobre minha filha. Mas o que importa é que o amor que temos por eles os mantêm vivos.

bjs

Anônimo disse...

Puxa, casa de vó é mesmo essa delícia. Adorei relembrar isso tudo, gosto de infância.

Abração!

Marina disse...

Lis!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Quero conhecer sua avó!!!Apaixonei!!!
Eu já não tenho lembranças nenhuma de minha avó,muito pelo contrário,ela é totalmente desamor igual à minha mãe!!!!!Amor,nunca tive isso,nunca senti!!!Por isso devo ser tão esquisita!!!!